quinta-feira, 26 de junho de 2008


















HOBBES CONTRA OS TRAPACEIROS DO JOGO POLÍTICO


Roberto Romano

O capítulo 21 do Leviatã trata dos integrantes do povo e de sua liberdade. O escrito inglês grafa “subjects” para os subordinados, mas em latim o termo é “cidadãos” O termo “freedom” no texto latino é libertas. O que significa a palavra. Ausência de “obstáculo externos ao movimento: “absentiam impedimentorum motus externorum”. Libertas é aplicada a criaturas irracionais, inanimadas e também para as racionais. Énegada a separação entre os entes. O fato de ter razão, não implica possuir liberdade diferente à da ordem natural.

Se uma coisa é ligada (tyed) ou envolvida de modo a se mover no espaço delimitado pela oposição de um corpo externo, não tem liberdade de ir além. Definição relevante na determinação da diferença entre governados e governante. Este, para Hobbes, é legibus solutus como no absolutismo e o soberano democrático o será nos escritos de Spinoza.

Obstáculos externos causam perda da liberdade. Mas se o obstáculo ao movimento reside na própria “natura” da coisa, lhe falta não liberdade, mas poder de se mover. É o caso da pedra que permanece imóvel ou do homem preso (affixus) ao leito pela doença. Homem livre é o que, em coisas que sua força e inteligência (ars, competencia) lhe permitem realizar, não é obstaculizado de fazer as que tem vontade.

Libertas só tem sentido em corpos e não inclui o não suscetível de movimento e que não se limita com um obstáculo. “A Estrada é livre”, não designa a Estrada, mas as pessoas que nela transitam, ou não, segundo nela existam ou não obstáculos. “Falar livremente” não se refere à liberdade da voz, ou da elocução, mas de um homem não obrigado por nenhuma lei a falar de modo diferente do que faz. “Vontade livre”: não é liberdade da vontade, desejo, inclinação, mas da pessoa não é obstaculizada quando efetiva a sua vontade, desejo, inclinação.

Medo e liberdade são compatíveis. Quando alguem joga ao mar os bens por medo da morte, o ato é voluntário. Ele gostaria de não fazê-lo se tal fosse a sua vontade. A ação do homem é livre : quem paga dividas por medo da prisão, por exemplo, nenhum corpo impediria o devedor de guardar seu dinheiro. Pagar é dispor da liberdade. De modo geral, todas as ações efetuadas nas repúblicas (Commonwealths) por medo da lei, os homens tinham a liberdade para delas se abster.

Liberdade e necessidade são compatíveis. A agua tem liberdade e necessidade de correr com a inclinação ao longo do rio. As ações humanas entram numa cadeia de causas cuja primeira é Deus, todas as acões, embora livres, são necessarias. Deus vê e dispõe todas as coisas e vê que a liberdade dos homens na efetuação do querido por eles, se acompanha da necessidade de fazer o que Deus quer. Embora os homens façam muitas coisas das quais Ele não é o autor, eles não podem ter paixão ou apetite por alguma coisa sem que a vontade divina seja a causa. A vontade divina garante a necessidade da vontade humana, caso oposto a liberdade seria desmentido e obstáculo à onipotência e liberdade divinas. [Aspecto ontológico da cadeia de causas que unem liberdade e necessidade]

Mas do mesmo jeito que os homens, para se proporcionar a paz e preservar a si mesmos, inventaram (excogitaverunt) um homem artificial, a República, eles inventaram cadeias artificiais, as leis civis que eles mesmos, por convenções mútuas, prenderam nos lábios do homem ou da assembléia, a quem eles deram o poder soberano e em suas próprias orelhas. Tais cadeias, por sua própria natureza, não têm força. No entanto, pelo efeito do perigo (mas nunca de sua dificuldade) que haveria em rompê-las, pode-se fazer com que elas resistam. [Aspecto político da cadeia de causas que unem liberdade e necessidade].

É apenas sobre essas cadeias que se fala da liberdade dos cidadãos. Como não existe república sem regras para presidir as ações e palavras dos homens (o que é impossível), em todos os dominios em que as leis silenciam, a pessoas têm liberdade de fazer o que a própria razão indica como o mais útil. Analisaremos a polissemia, antes do pensamento hobbesiano, desta noção de utilidade, ou interesses individuais e coletivos.No sentido próprio de liberdade corporal, o de não ser encadeado nem preso, seria absurdo exigir uma liberdade que já existe. No sentido de ser livre das leis, seria absurdo, porque os “libertos” da lei ficariam presas dos outros homens. Por mais absurdo que possa parecer, é ficar livres das leis que eles exigem. Não sabem que as leis são impotentes sem a espada nas mãos de um homem ou de muitos, para executá-las.

A liberdade dos governados só reside nas coisas em que, ao regulamentar suas ações, foram silenciadas pelo soberano (liberdade de comprar, vender, contratar entre si, escolher sua casa, genero de comida, oficio, educar seus filhos como julgam conveniente, etc).Mas o poder soberano de vida e morte não é abolido por essa liberdade. Nada do que o representante soberano faça ao governado pode ser dito injustiça ou injúria. Todo governado é autor de todo ato cometido pelo soberano. Logo, este nunca falta em direito a quem quer que seja, a não ser enquanto ele ele mesmo é sujeito a Deus, e obrigado assim a observar as leis da natureza.

Ocorre em muitas repúblicas que um cidadão seja executado por ordem do poder supremo, embora nenhuma das partes esteja errada em relação uma à outra (o caso de Jefté que sacrifica sua filha) pois o morto tem a liberdade de executar a ação pela qual, no entanto, é executado sem injustiça. O mesmo quando o soberano manda executar um inocente. Poisaí não se trata de uma injustiça cometida contra o executado, mas contra Deus. O direito de fazer qualquer coisa foi dado pelo executado ao soberano. Mas o soberano é súdito de Deus, o qual, pela lei da natureza, proíbe iniquidade. Davi, ao matar Urias, afirma ter pecado apenas contra Deus.

Também no ostracismo ateniense, o poderoso é banido por dez anos e no entanto os cidadãos não pensam agir com injustiça embora nunca perguntem qual crime cometeu o banido mas sim qual prejuízo ele cometeria no futuro. Eles também baniam sem saber quem exatamente castigavam. Quando baniram Hiperbolos, é porque ele era um bufão. Ninguém acusaria os atenienses por usar o direito de banir, nem a Hiperbolo por ser bufão. Pouco importa se a anedota narrada por Hobbes seja verdadeira ou não. Tucídides, que ele traduziu, diz simplesmente que Hiperbolos, o último a ser ostracizado, era um demagogo desonesto, não simples bufão.

A liberdade antiga não é a dos particulares, mas a da república. Do mesmo modo que os particulares sem república usufruem de liberdade soberana, sem posse garantida ou segurança, pois vivem em guerra perpétua, numa liberdade absoluta (sem laços), cada república tem a liberdade absoluta de fazer o que bem entende e buscar o mais favorável ao seu interesse. Atenas e Roma eram livres, não os seus particulares, porque não tinham a liberdade de resistir aos seus representantes, mas estes últimos tinha a liberdade de resistir aos ataques estrangeiros. Na cidade de Luca há uma divisa: Libertas. Ninguem pensa que nela os particulares têm a liberdade ou imunidade e não devem servir a república. Monarquica ou popular, a liberdade é sempre a mesma.

O Leviatã foi publicado em 1651. Hobbes está em Paris em 1640. Em 1638 foi publicado na mesma cidade de Paris o livro de Henri de Rohan Le parfaict capitaine, seguido de um Discours sur l ´interest des princes et estats de la chrestienté, dedicado a Richelieu. O texto é dedicado à análise política da situação exterior e interna da França, num momento perigoso para a estabilidade do país.Rohan dissocia o conceito de interesse do Estado e o de “utilidade pública” ou “comum”, que vêm da Antiguidade e da Idade Média. Nos dois últimos tem-se uma ratio, ou norma, que serve para medir os atos de governo e permitia selecioná-los de modo hierárquico, avaliar o seu nexo com o interesse comum ou público.O termo “Interesse” vem da forma substantiva do verbo inter-esse, com sentido de “se encontrar no meio”, “se encontrar entre”. Interest significa “importa”, “isto me diz respeito”, como em Tácito (Histórias, I, 30, 2: “É do vosso interesse, camaradas, que os celerados não façam um imperador [vestra commilitones interest]”.

Mas não é nos textos de história que se fixou o sentido de interesse no mundo romano, mas nos escritos jurídicos. Na reflexão sobre o vínculo entre direito, lei e interesse, os juristas tentam fixar as relações entre interesse público e privado, resultando a hegemonia do primeiro sobre o segundo. As fórmulas Rei publicae interest e quod privatim interest não surgem nas leis republicanas, mas nos jurisconsultos do século II, Ulpiano, Paulo e Papiniano. Utilitas publica (da contraposição utilitas publica/utilitas privatorum) vem de utor e com e utiusus liga-se à posse e ao gozo de algo. Mas o traço concreto de uso e gozo é remetido a um elemento mais abstrato em termos jurídicos, com categorias destinadas a definir e garantir o uso e o gozo, como é o caso de usus fructus, usus capio, usurpatio, abutus. ( )

Na abstração do sentido, sua universalização, a noção de utilitas chega a designar as posses de um grupo social ou coletividade entendidas como “coisas públicas” (res publicae). Onde o interesse designa o valor do objeto ou da ação a utilitas designa a modalidade da situação da coisa tendo em vista o sujeito que a possui. A coisa pública, a Commonwealth tal como a entende Hobbes, tem predomínio sobre ao que está ligado ao quod privatim interest. Como garantir a res publica, no entanto, se as leis podem ser interpretadas e, pior, interpretadas com fraude pelos particulares ou, mesmo, por juízes e advogados?

O antecessor de Hobbes, Francis Bacon, ao falar sobre o papel dos juizes, enuncia que o dever maior é “suprimir a força e a fraude, pois a força é mais perniciosa quando aberta e a fraude quando oculta e disfarçada”. (Of judicature).Os juízes garantem a obediência às leis. Mas eles devem ser limitados pelo soberano. Recorde-se os enunciados sobre a “liberdade” antes expostos no capítulo 21 do Leviatã. ( ) As leis, diz Hobbes, têm como autor os cidadãos. Mas eles colocam nas mãos do soberano o poder de enunciá-las, interpretá-las, aplicá-las. Caso contrário, a guerra de todos contra todos, continuada pela fraude na defesa dos interesses próprios, dissolve toda república.

Lex est mandatum ejus personae, sive hominis sive curiae, cujos praeceptum continet obedientiae rationem. ( ) Desnecessário dizer a importância dessa tese hobbesiana para se pensar o difícil relacionamento entre os interesses públicos e os privados. Enquanto “a lei natural é imediata em nós, pois conhecemos o mandamento divino em nossa razão, a lei civil é mediada pelo conjunto de regras com as quais a comunidade, por escrito ou oralmente, ou qualquer outro sinal adequado (signum idoneum) de sua vontade, comanda o uso da vontade para distinguir o certo do errado, o contrário à regra do que não é contrário”. ( ) Só a Commonwealth pode editar leis civis. O soberano é o único legislador não submetido às mesmas leis civis.

Segundo Hobbes, a soberania bane da ordem pública os juízos com origem privada, pois eles geram a polêmica. Não existe medida comum para o juízo moral e indivíduos diferentes percebem as coisas de modo diferente, desenvolvem diferentes paixões. Ninguém concorda sobre o bem e o mal, certo ou errado, justo ou injusto. E o juízo de cada um tende a se ampliar ao infinito, na medida mesma do desejo que desconhece limites. A guerra universal não é apenas física, mas psicológica porque inveja e ódio campeiam e cada pessoa julga-se mais esperta do que a outra.

Paixões diversas e igualdade no poder mortífero levam à miséria. É impossível arrancar a força física dos homens, mas factível obrigá-los a não exteriorizar sua opinião privada. Todos devem perder no mundo civil o “direito” de impor o juízo próprio aos demais. Visto que todos, no interior da natureza, possuem um direito igual, cada um pode entrar no pacto. Mas todos submetem-se ao juízo de um árbitro. Só o soberano guarda o direito natural e usa sem restrições a força física e o juízo próprio. ( )

O soberano concentra o poder de julgar em todas as matérias, nas leis, na administração, nos tribunais, guerra ou paz, controla a religião, decide o bom e o ruim. Este é o pressuposto para colocar limites nos desejos infinitos dos cidadãos. No pacto que define a gênese da ordem estatal, pouco sobra para o direito de resistência. Entre a realidade como a vemos e como ela existe ocorrem diferenças por construírmos um mundo pela imaginação que, por sua vez, é movida pelos nervos. O intelecto dos indivíduos não possui perfeito conhecimento dos demais homens. Estratégico na ordem individual “não é a verdade mas a imagem que faz a paixão. A tragédia afeta mesmo o assassino, quando bem desempenhada” (The Elements of Law). Paixão e imagem geram rebeliões. O uso correto das palavras não consiste na verdade, mas serve para evitar ambigüidades nocivas. A distinção entre o nosso interior e o mundo externo acentua a ausência de medida comum de bem e mal. Os indivíduos discordam sobre o certo e o errado e são incompetentes para emitir tais juízos. “Os homens, veementemente amorosos de suas próprias novas opiniões (as mais absurdas) e decididos com obstinação a mantê-las, deram às opiniões o reverenciado nome de consciência, como se julgassem ilegal mudá-las ou falar contra elas”.

Os homens fundamentam seus atos em raciocínios, concebem “a consequência dos nomes de todas as partes para o nome da totalidade, ou dos nomes da totalidade e de uma parte para o nome da outra parte (…) E os juristas somam leis e fatos para descobrir o certo e o errado na ação dos homens privados”. Todo homem pode errar no cálculo, o que não quer dizer que inexista o bom juízo. “Ao surgirem controvérsias sobre um cálculo as partes precisam, por mútuo acordo (by their own accord) recorrer à razão certa de um árbitro ou juiz, a cuja sentença se submetem (…) Quando os que se julgam mais sábios do que todos os demais gritam e exigem uma razão certa para juiz, só procuram garantir que as coisas sejam asseguradas não pela razão dos outros homens, mas pela sua. É tão intolerável agir assim na sociedade dos homens como no jogo, escolhido o trunfo, usar como trunfo em todas as outras ocasiões a série de que se tem mais cartas na mão.” ( )

Hobbes afasta a fraude no “jogo” da sociedade civil, mas em proveito do soberano não preso a regras. Os particulares não têm mais direito (pois assumiram o pacto) de cometer fraudes. O soberano, cuja função é salvar o povo, não sofre semelhante obstáculo. Apuremos a imagem do jogo, muito presente nos textos hobbesianos. O jogo opera com a inteligência e a imaginação dos indivíduos. Na sociedade civil, se todos jogarem sem regras, desaparece o jogo e nenhum jogador parte da igualdade das chances porque o truque se esconde e não se indica quem o usa (caso contrário, ele se transforma em guerra). O jogador sem regras usa o segredo, a simulação e a dissimulação. Ele finge seguir as regras, mas guarda para si mesmo o fato de que as desrespeita, simula aceitá-las, dissimula truques. O jogador comum opera com a imaginação e a discreção: ele deseja ganhar, imagina-se no instante em que vence (pode imaginar os frutos do ganho como riquezas, amores, etc) e ao mesmo tempo não pode revelar as cartas. O soberano não segue regras (não é jogador) e usa a discreção, a imaginação, a simulação e a dissimulação. Ele opera em pleno direito natural.

Esse ponto é exposto por Hobbes no escrito dirigido pore le contra Sir Edward Coke, o campeão jurídico inglês que se opôs à vontade absolutista de James I e que foi, justo por isto, confinado à Torre de Londres em várias ocasiões pelo monarca que desejava não só legislar, como impôr diretamente a lei na qualidade de juiz com assento nos tribunais. Embora em sentido diverso ao de James I, Hobbes não aceita os pressupostos jurídicos de que Common Law estaria acima do poder soberano. O argumento mais grave do filósofo contra o jurista Coke encontra-se no debate da traição (o que supõe o direito de resistência ou de magnicídio, defendido na Revolução inglesa e por juristas francêses, como no caso dos monarcômacos). ( )

Hobbes usa o argumento banal nos textos que defendem a razão de Estado: salus populi é suprema lex. E “a segurança (safety) do povo de um reino consiste na segurança do Rei, e da força necessária para defender seu povo, contra os inimigos externos e os súditos rebeldes.”. E seguem as frases delicadas, em termos de lógica e direitos, do filósofo: “”Se todo homem tivesse, com o fito de gerar rebelião contra o Rei, em palavras escritas ou em conselhos, negado ao Rei que governa o título de legítimo (lawful), quem escreve prega ou fala tais palavras, vivendo sob a proteção das leis régias, trata-se de alta traição (…) E distinguir o que é traição pela lei comum (common law) de todos os demais crimes inferiores que consideramos, é preciso dizer que se tal altra traição tivesse efeito, destruiría todas as leis ao mesmo tempo; e tendo sido cometida por um súdito, trata-se de um retorno à hostilidade, por fraude (treachery) e por conseguinte tais fraudes devem ser vistas, pela lei da razão, como originadas por ignóbeis e fraudulentos (treacherous) inimigos, os quais devem por elas responder”. ( )

A imaginação indiscreta não é força. Quem usa o intelecto para o jogo, exerce deliberada dissipação da mente (mind). Na ordem familiar são permitidos jogos com os sons e palavras equívocas com ambigüos significados, na desregrada sequência da imaginação (Fancy). Mas tal jogo é proibido no sermão ou diante de pessoas desconhecidas ou às quais deve-se reverência. A discreção traz as regras do trato que determinam a loucura (brilhante, pouco importa) de uns e a lucidez de outros. É possível ser discreto, mas perverso. “Caso à prudência se acrescente o uso de meios injustos ou desonestos, como os que os homens são levados a usar por medo e necessidade, temos a perversa sapiência (Crooked Wisdome) a que se chama astúcia (Craft) um sinal de pusilanimidade. A magnanimidade é o desprezo dos expedientes injustos ou desonestos, enquanto a Versutia -astúcia, sutileza- consiste em afastar um perigo ou incômodo presente mediante um maior ainda, como roubar uma pessoa para pagar a outra, esperteza de vistas curtas”.

Como fazer todos os jogadores seguirem as regras, sem truques? Apenas com a força física posta nas mãos do soberano, o qual tornou-se, com o pacto, não um juiz mas um árbitro jamais submetido a qualquer lei existente. Para atenuar as forças naturais egoístas dos indivíduos, só a força das armas que se tornam monopólio do soberano. “As leis da natureza, justiça, equidade, modéstia, benevolência, conselhos como fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem sem o terror de algum poder (…), são contrárias às nossas paixões naturais, estas nos empurram para a parcialidade, orgulho, vingança e que tais. E pactos sem a espada, são apenas palavras (Covenants, without Sword, are but Words) e não possuem nenhuma força (strength) para assegurar um homem”.

O terror do poder dita as regras do jogo político e as impõe para todos e para cada um. A lei não é conselho, mas ordem do poder soberano, regra para uso e distinção do bem e do mal e do que é contrário ou não à regra (Rule). As leis são interpretadas pelo soberano e apenas por ele, ou pelos que ele designa para a tarefa de julgar. Elas não são julgadas pelos particulares. Quando o juízo privado pretende mudar as leis e o poder público, age tendo em vista a “consciência”. assume o papel de estraçalhador da Commonwealth. No De cive (capítulo 12) lemos que “muitos homens, que mesmo sendo bem apegados à sociedade civil, fazem por carência de saber (knowledge) inclinar a mente dos súditos à sedição, quando ensinam, aos jovens, a doutrina conforme às suas opiniões nas escolas, e ao povo todo nos seus púlpitos. Os que desejam levar aquela disposição aos atos, colocam todo o seu esforço nisso: primeiro, eles juntam todos os doentiamente afetados na facção e na conspiração; depois, eles mesmos buscam ter a maior força na facção. Eles os colocam na facção enquanto fazem de si mesmos os relatores e intérpretes dos conselhos e ações do homem individual, e nomeiam as pessoas e lugares para reunião e para deliberar sobre as coisas nas quais o governo atual deve ser reformado, segundo deve parecer melhor aos seus interesses. O alvo é fazer deles mesmos os que governam a facção e a facção deve ser tolhida por uma outra facção; ou seja, eles devem ter suas reuniões secretas em separado, apenas com poucas pessoas, reuniões nas quais eles podem ordenar o que devem a seguir propor numa Assembléia Geral, e por quem, e sobre quais assuntos e em que ordem cada um deverá falar, e como eles atrairão os mais poderosos e populares dentre os homens para a facção de seu lado. E quando eles conseguem grande o bastante, a qual podem dirigir (rule) pela sua eloquencia, eles a mobilizam para administrar os negócios. E assim, às vezes eles oprimem a sociedade (Commomwealth) quando não existe outra facção maior para se opor a eles; mas na maioria das vezes eles conseguem fazer aquilo e começam uma guerra civil. Porque a Loucura e a eloquência concorrem para a subversão do governo, de maneira igual à das filhas de Pélias, rei da Tessália, que conspiraram com Medéia contra seu pai. Elas iam restaurar o ancião decrépito em sua juventude, por conselho de Medéia cortaram-no em pedaços e o colocaram para ferver; em vão esperando o momento em que ele viveria novamente. Assim o povo comum em sua loucura, como as filhas de Pelias, desejando renovar o governo antigo, é conduzido pela eloquência de homens ambiciosos, como se tivessem enfeitiçados por Medéia; divididos em facções eles consomem em chamas em vez de reformar o governo”. ( )

“É preciso obedecer mais a Deus do que aos homens” ? ( ) A questão é impertinente porque as leis não governam consciências, mas regem palavras e atos. A Biblia ensina a obedecer o soberano “em todas as coisas”. O dilema (obedecer Deus ou obedecer o soberano) é desconhecido entre Judeus, Gregos, Romanos e gentios. Naqueles povos, as leis civis definiam o justo e o virtuoso e o culto externo a Deus. Os católicos têm essa dificuldade porque exigem para a autoridade religiosa poderes acima do civil. Quanto aos atos, a paz só é conseguida quando eles são regulados. Caso contrário, persiste a divisão no Estado devido à “liberdade” de consciência. Ser papista, luterano, calvinista, arminiano, como no passado paulistas, apolineanos, cefasianos não impede a obediência à ordem pública. “Paulo mostra que as questões trazidas pelos raciocínios humanos (human ratiocination) são perigosas para a vida cristã. No mundo civil quem resiste a um rei porque duvida de seu título ou porque é dominado pelas paixões, merece punição.Sendo a consciência apenas “opinião” ela não deve ela ser abolida, mas restrita no espaço público, que não pode ser uma soma heteróclita de opiniões, mas resultado de uma só “opinião” racional.

O debate sobre o destino post-mortem deve ser afastado das leis que regem o corpo social. Segundo Pierre Bayle “o sumário do Leviatã é que sem a paz não existe segurança no Estado e a paz não subsiste sem comando e o comando sem armas; as armas nada valem se não forem postas nas mãos de uma pessoa; o medo das armas não conduz à paz os impulsionados a combater por um mal ainda mais terrível do que a morte, isto é, pelas dissenções sobre as coisas necessárias à salvação eterna”. ( ) O Estado possui uma potência que chega ao nível espiritual, sempre que se trata da república. No pacto, o indivíduo aliena o direito de agredir os demais. O soberano, no entanto, choca-se com algumas barreiras para a sua soberania. Em termos lógicos: se todos abrem mãos de seu direito natural para afastar a morte, não tem sentido o Estado exigir contra eles o direito de vida e morte. A segurança é inalienável.

Ferdinand Tönnies ( ) editor e estudioso de Hobbes, contrário ao saber político e social mecânicos do Leviatã (Tönnies pertence à sociologia romântica) define dois modêlos contrários de ordem social, incluindo a pública. A sociedade é mecânica enquanto a comunidade é organismo vivo. “A distância que vai de uma ferramenta artificial ou a determinada máquina construída para certos fins, até um sistema orgânico ou a alguns orgãos concretos de um corpo animal, é a que vai de um conglomerado devontade —vontade sobreposta— a um conglomerado de vontade vontade essencial”. Ou seja, “Tönnies pinta a sociedade com as cores da filosofia do direito de Hobbes, onde cada um é inimigo do outro e apenas a lei pode assegurar uma ordem externa.” ( )

A noção de poder, em Hobbes, não se desvincula da linguagem. Yves Charles Zarka chega a afirmar que a sua doutrina não se liga “tanto à física, mas à semiologia”. ( ) Fala, gestos, escrita sujeitam-se à ambigüidade e ao equívoco. A lógica fornece princípios do correto emprego das denominações. A pacificação requer uma lingua na qual os equívocos sejam atenuados. A lingua, antes embebida nas paixões, com o estado de natureza, no Estado é a única forma passível de uso científico com a proposição, porque afirma e nega, possibilita o juízo sobre o falso e o verdadeiro. “Quando um homem raciocina a partir de princípios indubitáveis por experiência, todos os engodos dos sentidos e equivocos de palavras evitados, a conclusão feita por ele concorda com a reta razão. Mas quando da conclusão ele pode, por bom raciocínio, derivar algo que contradiga qualquer verdade evidente, concluiu contra a razão e tal conclusão é absurda.” Dos absurdos nascem os fanatismos religiosos e políticos. No trato comum, são usados nomes extraídos da ignorância coletiva e na fala então importa, para que eles sejam lembrados, a coerência de uma concepção para outra. Mas se as palavras ajudam a memória, a comunicação e a vida em comum, elas podem transformar o convívio num inferno. Pelas palavras e raciocínios ultrapassamos as feras. Elas desconhecem o verdadeiro e o falso e não possuem juízo, não multiplicam uma não verdade por outra, como fazem os homens.

As paixões iniciam todos os movimentos voluntários e da fala. Querendo mostrar aos outros o saber, opiniões, concepções e desejos, e para isso inventado a linguagem, os homens transferem o discurso mental às palavras. E a ratio torna-se oratio “porque na maioria dos homens o costume tem um poder tão grande que se a mente sugere uma palavra inicial, o resto delas segue-se pelo habito e a mente não as acompanha. É o que ocorre entre os mendigos quando rezam seu paternoster. Eles unem tais palavras e de tal modo, como aprenderam com suas babás, companhias ou seus professores, e não têm imagens ou concepções na mente para responder às palavras que enunciam.” ( )

As palavras, quando se trata de uma lei, precisam ser entendidas por todos os que a devem acolher. Como seguir uma ordem quando ela foi emitida em lingua obscura, acessível apenas aos juristas ? Não basta o juiz entender as partes: é preciso que ele sempre se faça entender. ( ) Para que se obedeça é obrigatório que a lei seja promulgada em lingua conhecida por ele. Urge que a pessoa saiba as penalidades a que se submeterá e se defenda em lingua acessível ao juiz e aos concidadãos. Se os últimos o compreendem, mesmo o juiz parcial terá trabalho para impôr uma sentença errônea.

O juiz pode errar quando interpreta a lei. Logo, ele deve estudar a equidade. “Por exemplo, é contra a lei da natureza punir o inocente; e inocente é o absolvido judicialmente, reconhecido inocente pelo juiz. Coloque agora o seguinte caso: um homem é acusado de crime capital e face ao poder e a malícia de algum inimigo, a corrupção freqüente e parcialidade dos juízes, foge com medo, é pego e conduzido a um julgamento e como não tinha culpa, é absolvido mas condenado a perder seus bens; esta é uma condenação manifesta do inocente. Não há lugar do mundo em que isso poderia ser uma interpretação da lei da natureza, ou transformado em lei pelas sentenças dos juízes precedentes que fizeram o mesmo. Porque o primeiro que julgou, o fez injustamente; nenhuma injustiça pode ser modelo de juízo para os juizes subsequentes. Uma lei escrita pode proibir os homens inocentes de voar e eles podem ser punidos por voar; mas que voar por medo de injúria seja tomado por presunção de culpa, depois que alguém já foi absolvido judicialmente do crime, é contrário à natureza da presunção, que não tem lugar depois que o juízo foi dado”.

Hobbes distingue o cavilador e o intérprete. Um cavilador traz outros, ao infinito. Mas deve existir um intérprete, o juiz ordinário, que também interpreta as leis não escritas. As sentenças desse juiz não podem obrigar outros juizes “porque um juiz pode errar até na interpretação das leis escritas; mas nenhum erro de um juiz subordinado pode mudar a lei, a qual é a sentença geral do soberano”. Quais as condições para que o juiz seja intérprete das leis? Entendimento reto da principal lei da natureza, a equidade, que não depende das leituras de outros homens, mas da bondade da razão natural própria. Segundo: desprezo de bens desnecessário e promoções. Terceiro, ser capaz de num julgamento retirar de si todo medo, ira, ódio, amor e compaixão. E finalmente, paciência para ouvir, atenção diligente na escuta, memória para reter as peças, aplicação ao que ele tiver ouvido. A razão, que chega à equidade, deve
afastar ou controlar as paixões mais notórias do trato entre as pessoas. Hobbes acentua a ambição como algo que não deve integrar a alma do juiz. Tanto, ou mais do que as outras paixões, a fome de bens ou cargos tolda o juízo, torna a mente fechada para as evidências e para a fala das testemunhas, do réu, da outra parte.

No Leviatã, a mente apaixonada curva-se à fantasmagoria que ela própria gera, tendo como objeto os demais seres humanos. É o reino da mentira. O Behemoth traz a seguinte afirmação : “Um Estado pode constranger à obediência, mas não convence ninguém de erro, nem altera as mentes dos que acreditam possuir a melhor razão. A supressão da doutrina não une mas exaspera, aumenta a malícia e o poder dos que nela acreditam” ( ) “Porque as palavras não são isentas de jurisdição?”. Hobbes une as falas sediciosas à atividade rebelde, particularmente na análise da autoridade espiritual que tenta controlar a soberania civil”. ( ) Tais falsos mestres são os agentes do “Reino das Trevas”, em contraste com a luz da verdadeira religião e do entendimento. “Em particular, os pregadores sediciosos do Evangelho interpretam a Escritura para provar, acima de tudo, que sua igreja é o reino de Deus. Consequentemente, as pessoas que eles enganam obedecem tais mestres mais do que aos soberanos civís.” ( )

Além dos mentirosos pregadores que desejam impor a soberania de seu grupo, seitas ou igrejas, sobre todos os demais cidadãos, Hobbes refere-se no Leviatã às Histórias ou Ficções das pessoas galantes. Este é um lugar comum da filosofia contra os historiadores e os poetas. A condenação da mentira é velha como a filosofia, ou ainda mais arcaica. ( )

Se é preciso impedir a fraude, o truque, para conseguir a estrita obediência às leis urge que o soberano impeça a difusão de mentiras, o refinamento na arte de escrever com duplicidade. O Estado deve banir, com os mentirosos habituais, os que trapaceiam no jogo político de maneira eficaz, pois eles modificam o sentido das palavras e das frases. Proibidas as armas físicas, é preciso cuidar das espirituais, começando com as exercidas na lingua.

A polissemia atropela a obediência, enquanto a mentira é truque insidioso que reintroduz a ferocidade recíproca. Nos Elements of law os termos Sleight and strength [slit and strent, astúcia e força] são usados para definir o estado de natureza no trato dos homens. A dupla de palavras apresenta grande interesse na análise hobbesiana da existência antes que a multidão se transforme em Estado. ( ) Os humanos, mesmo depois do pacto, enganam-se mutuamente com truques hábeis de linguagem, no mesmo instante em que desobedecem a lei e tentam usar a força física. ( ) Como o pacto não é obedecido por todos os indivíduos, sendo motivo de queixa contra os atos ilegais dos que, na república, são importantes e ricos, o soberano é impelido a agir de acordo com a simulação, a dissimulação e a mentira. Ele é presditigitador e mágico, mestre na arte de enganar, sobretudo pelo raciocínio. Aproximemos a lente do panorama inaugural do Estado. Se na sua gênese, à multidão fosse permitida a licença de enganar por meio de truques, jamais haveria segurança coletiva. E se fosse permitido aos indivíduos os truques sofísticos no espaço público, permaneceria a insegurança. Mas se fosse proibido ao soberano o uso das simulações e dissimulações, zonas inteiras de poder seriam conhecidas pelos inimigos externos e utilizadas pelos cidadãos ambiciosos de vantagem própria, o que anularia as regras do pacto.

Surge o problema por excelência do pensamento filosófico e político: o acesso à razão e a vitória sobre os engodos de outros Estados e dos particulares. Hobbes conhece os textos de Seneca. A fama conduz aos atos mais insensatos, pois exige a boca e os ouvidos da multidão que se deixa enganar pelos demagogos. ( ) No Leviatã e no De corpore, por ser restrita à experiência a prudente sabedoria não possibilita a generalização cognitiva, não produz a medida universalmente válida do justo e do injusto. ( ) Nos Elements of law a prudência dá lugar à força que inibe as paixões desagregadoras dos particulares, força usada pelo soberano autorizado no pacto. ( ) A disciplina se apresenta como o eixo político no De cive : ad societatem homo aptus non natura; sed disciplina (I,2). A prudência, ligada à razão de Estado, aparece aqui e ali no De cive. No mesmo livro Hobbes diz que os governantes conservam a astúcia e a força (sleight or force). Vimos que nos Element of law, sleight é palavra usada com o vocábulo strength, para definir o estado de natureza.

Quando afirma no De cive uma Reason of City (Civitas, no latim), Hobbes guarda o sentido renascentista dado à razão estatal, tendo como núcleo a prudência. Daí o apelo, notável no referido volume, ao segredo e aos espiões. Entre o segredo (a máxima obscuridade) e os espiões (encarregados de penetrar a obscuridade alheia) a prudência do सोबेरानो traz segurança para a Civitas. Os soberanos que usam sleight or forc[slit or force] permanecem no estado de natureza e podem usar a força, a fraude, a mentira, a espionagem, não precisam manter a palavra porque não existe nenhum pacto que una os Estados, nenhum soberano que imponha uma lei obrigatória para todos.

Se no âmbito mundial opera a razão de Estado em guerra permanente, no plano interno a transferência do poder mortal não pode deixar ambiguidade na lei. Nas relações de cidadão a cidadão a mentira ou engodo deve ser reprimida. No Leviatã quase desaparecem as antigas formas de pensamento prudencial, ou seja, da razão de Estado. Se esta última opera com force and fraud, o uso de semelhantes técnicas de dominação entre cidadãos conduziria à ruina da república. ( ) Contra o uso da força e da fraude, no interior da república, o soberano deve providenciar para que o povo não seja ignorante “ou pouco informado das bases, e razões dos seus direitos essenciais; porque assim os homens são seduzidos fácilmente, e levados a resistir-lhe, quando a República deve exigir seu uso e exercício”. ( ) Em qualquer Estado, generaliza Hobbes, sem a obediência o povo é dissolvido por “homens poderosos que digerem com muita dificuldade tudo o que estabeleça um poder para controlar suas afecções”. Os “eruditos também resistem ao poder que descubra seus erros, e diminua a sua autoridade (Authority)”. Enquanto os poderosos, estão cheios de ambição de poder e os letrados mergulham na ambição de autoridade, porque suas mentes estão abarrotadas de doutrinas mentirosas e fraudulentas, “as mentes do povo comum, enquanto não forem tingidas pela sua dependência diante dos poderosos,

ou rabiscada pelas opiniões dos doutos, são como papel limpo, apropriadas para receber tudo o que a Autoridade Pública nelas imprimir”. ( )

Encontramos novamente a fábula de Medéia : o desobediente deseja reformar a República, mas a destrói “como as ensandecidas filhas de Peleu, na fábula, as quais desejando renovar a juventude do seu pai decrépito, por conselho de Medéia o cortaram em pedaços e o colocaram para ferver, sempre com suas estranhas ervas, mas não fizeram dele um homem novo. Este desejo de mudanças é como a desobediência do primeiro mandamento divino: porque Deus disse, Non habebis Deos alienos: Não terás deuses de outras nações´., e em outro lugar , em relação aos reis, que eles são deuses”. ( ) Quais “deuses” não podem coexistir com o “deus mortal”, o Leviatã ? Os poderosos, os letrados, as cidades que pretendem possuir independência na República. “Os que pretendem agir segundo a prudência política”, diz Hobbes, tendem a afirmar a “liberdade de disputar o poder absoluto”. Estes são os poderosos e populares. “A menos que a República (Commonwealth) tenha muito penhor de sua fidelidade, eles são uma doença muito perigosa; porque o povo, que poderia receber seu movimento da autoridade soberana, pela adulação (flattery) e pela reputação de um homem ambicioso, é arrancado de sua obediência às leis para seguir um homem cujas virtudes e designios eles não conhecem. E isso é mais comumente perigoso num governo popular do que na monarquia, porque um exército com possui maior força e número pode facilmente fazer acreditar que eles são o povo. É assim que Julio Cesar, que subiu ao poder pelo povo e

contra o senado, tendo ele mesmo vencido as facções de seu exercito, controlou o senado e o povo. E este modo de agir de homens ambiciosos é rebelião clara, e pode ser comparada aos efeitos da feitiçaria (witchcraft). Outra doença da República é “a grandeza imoderada de uma cidade, quando ela pode fornecer para fora de seu próprio circuito o número e a despesa de um grande exército, como também doentio pode ser o número de corporações, que nos intestinos da república são como vermes nas entranhas de um homem natural. E devemos acrescentar a liberdade de disputa contra o poder absoluto conduzida pelos campeões da prudência política, os quais alimentados na maior parte na laia do povo, e animados por doutrinas falsas, sempre dão palpites sobre as leis fundamentais e molestam a república, como vermezinhos chamados ascarídeos pelos médicos”. ( )

Segundo um analista da Razão de Estado, esta última “contem a onipotência pública. Ela é a derrogação da lei que toma o sentido da máscara que tombam o desvelamento de uma que para de repente de compor e decide com dureza, outorgando a si mesma o privilégio exorbitante de quebrar as regras. (...) Do seu respeito da lei, não se pode inferir uma submissão à lei. O Estado é como o máu perdedor que por vezes muda as regras do jogo. O escândalo que recobre a razão de Estado,atraiçoa o nosso desânimo como súditos e o nosso ceticismo diante das leis constitucionais (...) Embora seja posta, com frequência, no item tirania, o momento da razão de Estado contribuirá paradoxalmente, e muito, para forjar a identidade liberal e democrática. Esta é também a figura confusa e confundida do arbítrário, inimigo mortal cuja derrota

completa forma aparentemente o conteúdo utópico do pensamento constitucional, que no entanto revela a superioridade e a grandeza do poder de constrangimento. Em segundo lugar, inversamente, não é simples reduzir esse momento de exceção como testemunha esta tradição constitucional que tanto imaginou para dissolvê-lo sem nunca cnseguir reduzí-lo. Por cansaço de guerra ou por suprema astúcia? As mais liberais das constituições e por vezes bem armadas dão-lhe assim um lugar, às vezes por silêncio tático, impotência ou falta de destreza, mas o mais frequentemente por direito, o que é apenas uma parte da visibilidade dada ao restante do domínio da sombra: A Declaração dos Direitos do Homem está cheia de concessões por onde escorregam sem dificuldade ambições despóticas”. (1)

Yves Charles Zarka, especialista no pensamento hobbesiano, afirma que a tese jurídica do filósofo põe em causa uma tradição antiga do direito inglês, a que consistia em fazer do costume ou do direito comum (Common law) a principal fonte de uma jurisprudência que governa a sociedade. Mas ao fazer da lei o produto da autoridade e não da verdade, não se arriscaria a torná-la irracional? Deve-se interpretar este princípio como a expressão de um decisionismo político oposto a um racionalismo jurídico? De modo algum, o próprio Hobbes o diz: “Também a lei não procede desta juris prudentia ou sabedoria dos juízes subalternos, mas da razão deste homem artificial que estudamos, isto é, da República e de seus mandamentos” (Leviatã, cap. 26). Assim, “longe de abrir o caminho para uma obscura e


perigosa concepção da transcendência irracional da vontade do Estado, a teoria da lei é, pelo contrário, um dos lugares privilegiados onde torna-se possível compreender porque em Hobbes a razão de Estado não poderia, definitivamente, ser de uma outra natureza, diferente da que é propriedade dos indivíduos”. (2)

Falamos de treachery insita nos particulares que, na busca de seus interesses minam o Estado e fazem poeira da fé pública. Esta ardilosidade é prevista e controlada pelo sistema hobesiano. Mas fica sempre a questão posta por Christian Lazzeri e Dominique Reynié: e quando o Estado (os que o personalizam) usam os truques proibidos no campo privado? Sabemos a resposta: Hobbes pensa a Commonweath sempre no estado de guerra, em luta contra os seus concorrentes.

Permitam-me citar um trabalho antigo que publiquei em livro idem. Segundo Hobbes, o “primeiro fundamento do direito consiste na defesa do próprio corpo e membros contra a morte, ou as dores que a precedem. Aniquilação e medo são fios que entrelaçam o discurso hobbesiano. Os indivíduos se espreitam eternamente, abrem espaço pelo desaparecimento físico e espiritual dos demais. Os Estados, que nunca abandonarão o plano da naturezam ´olham-se uns aos outros com orgulho, observam seus rostos e ações e não confiam tanto nos tratados, mas na fraqueza da outra parte´ A metáfora optica encontra-se, neste ponto, unida à teatral: por detrás das máscaras —amigas ou hostís— urge enxergar os arcana do outro Estado. As redes de espionagem (´os espiões são como os raios de luz para a alma humana, no discenimento dos objetos visíveis´), delicadas

e sensíveis, unem pele e olhos, permitem aos inimigos dirigir-se rápida e certeiramente para seus limites extremos, e devorar os assaltantes da rede republicana. Reis aranha têm o direito e a obrigação de digerir inimigos externos e internos. Morte: soberana crudelissima, adversária eminente, pressuposta no contrato para mútua proteção dos particulares. (...) O Estado é a única arma dos indivíduos particulares contra a morte. o pactum subjectionis resulta da maldade natural dos humanos, sua perversa pretensão ao absoluto. o Leviatã se encarrega de esmagar as esperanças dos indivíduos auto-centrados que desejam a glória e a sobrevivência à custa dos seus iguais. O fundamento das leis é frágil, pois sempre recebe as pressões dos átomos sociais e de seus aglomerados, os partidos, em busca de seu próprio interesse. Uma Constituição, para se manter, precisa ser acolhida pelo medo e pela opinião —certa ou equivocada— de que ela protege todos e cada um da morte. Caso contrário, armam-se os particulares contra o Estado, para defender seu pedaço de terra e seu espaço social”. (2)

Micheline Triomphe adianta uma hipótese de trabalho muito sugestiva, quando se trata de analisar os vínculos entre interesse privado e pública, em Hobbes, com as relativas apropriações da lei. A liberdade, diz ela ao tomar o capítulo 21 do Leviatã como ponto de partida exegético, entra numa tensão dialética entre o conceito essencial em Hobbes, o de salus populi, e o enunciado onde se afirma que necessitas legem habet. As duas fórmulas supõem que no estado de natureza multiplam-se os direitos,


mas inexiste o direito. Entre o vazio do primeiro e a plenitude do segundo, ocorre o poder soberano, legibus solutus. A salus populi é a lei maior, a suprema lex da cadeia jurídica, não em ruptura com os elos anteriores, mas como sua condição de possibilidade. Ela valida, legitima, legaliza, as condutas que sem ela seriam indesculpáveis.

Aqui a autora entra no exame de um termo muito usado em Hobbes, a “desculpa”, nela notando o seu forte odor de razão de Estado. Trata-se de transgressão, mas sem culpa, não condenável em direito. Ela opera no plano dos particulares, no seu nexo com o mundo da inimizade. E Triomphe se pergunta se ela não vale também para o mundo dos governantes. No capítulo 27 do Leviatã (“Of crimes, Excuses, and Extenuations”) é posta por duas vezes o fato de uma forte transgressão : “Se um homem, por terror da morte da morte presente, é compelido a fazer algo contra a Lei, ele é totalmente desculpado; porque nenhuma Lei pode obrigar um homem a abandonar sua própria preservação. E supondo-se que tal lei fosse obrigatória; mesmo assim um homem teria razão pois, se não faço, eu morro agora; se faço, morro depois; logo ao fazer isto, há um termo de vida ganho; a natureza compele, portanto, a fazer”.

E logo após, ele reforça o argumento: “Se um homem está destituído de alimento, ou outra coisa necessária à sua vida, e não pode preservar a si mesmo de outro modo, mas apenas cometendo algo contra a lei; como numa grande fome ele na qual ele arranca o alimento pela força, ou rouba, o que não pode obter por dinheiro ou caridade; ou em defesa de sua vida,

joga longe a espada de um outro homem, ele é totalmente desculpado”. Nos dois casos uma situação extrema de perigo ou necessidade, leva à desculpa, em nome de certo tipo de salus, não de populi, mas de hominis.

Em que consiste a “desculpa”? A extrema necessidade, que não é vista como algo que abole a lei. Esta permanece intocada e intacta, apenas é suspenso no tempo o seu caráter obrigatório, a desculpa opera como algo provisório. Trata-se de uma infração desprovida de falta. Isto não valeria para o soberano e para a sua razão? Se ele tivesse a necessidade imperiosa de agir para salvar o povo, não seria também desculpável? A mesma necessidade que criou a obrigação (para sair da guerra de todos contra todos) também cria o direito de suspender os direitos. O interesse dos particulares é o interesse público e vice-versa.

Essa possibilidade não é nova no pensamento filosófico que se dedica à lei. Em Aristóteles (Ética, livro V, 10), lido por Tomás de Aquino, existe o instituto da epikéia, “uma parte da justiça tomada em sentido geral, porque é um tipo de justiça, como diz o Filósofo. É evidente que epikéia é uma parte subjetiva da justiça: e a justiça é predicada da justiça legal, desde que a justiça legal é sujeita à direção da epikéia. Assim, epikéia é o caminho para uma regulação mais elevada das ações humanas. A epikéia corresponde propriamente à justiça legal, e de um modo é nela contida sob ela, em outro a excede. Porque se a justiça legal denota que ela cumpre a lei, tanto no relativo à letra da lei, ou no relativo à intenção do legislador, que deve ser mais considerada, então a epikéia é a parte mais

importante da justiça legal. Mas se a justiça legal denota meramente o que cumpre a lei com respeito à letra, então a epikéia é uma parte, não da justiça legal, mas da justiça em sua acepção mais ampla, e é dividida com e justiça legal, a excedendo. (...) Cabe à epikéia moderar algo, ou seja, a observância da letra da lei. Mas a modéstia, reconhecida como parte da temperança, modera a vida exterior do homem —por exemplo, no seu porte, roupa ou algo assim. Possivelmente o termo epikéia é aplicado no grego como similitude de todos os tipos de moderação”. (3)

Não digo que Hobbes segue Aquino e, muito menos, Aristóteles. Mas o que ele pensa, entra muito bem no campo da epikéia, ato de justiça efetuado para o interesse coletivo e particular, no qual se reconhece a intenção da lei, como norma elevada do que sua letra. (4) Levar este debate adiante é tarefa que fascina, sobretudo num tempo e numa terra onde, mais do que nunca, a letra da lei mata. Mas isto é algo a ser efetivado em outra ocasião.

Roberto Romano




Notas

(1) Esta passagem deve-se, toda ela, ao excelente estudo de Christian Lazzeri, na Introdução do livro de Henri de Rohan, De l ´intérête des princes et des Etats de la chrétienté (Paris, PUF, 1995), pp. 10 e ss.

(2) Os enunciados sobre a liberdade surgem em vários instantes dos escritos hobbesianos. As vezes, eles são exatamente iguais, ou ligeiramente diversos, dos conceitos postos no Leviatã. Como ocorre no Capítulo 33 do manuscrito Thomas White´s De mundo examined: “Ações apenas são voluntarias, paixões e faculdades como sentimentos, entendimento, amor (loving), medo (fearing), desejo (wishing and not wishing), não são voluntarios (…) Entre os animais, é propriamente ditto livre o que possui o poder de executar toda ação, embora ainda não possua o desejo de agir. Entre os inanimados (…) o rio corre livremente e não é proibido de fluir, seja

por seus bancos ou impedimentos externos”. Hobbes designa dois impedimentos para a ação humana: a coerção (ou medo) e a persuasão (ou amor). Cf. op. cit. Edição Harold Whitmore Jones (London, Bradford University Press, 1976), pp. 406 e ss.
(3) “Lei é o mandamento daquela pessoa, homem ou assembléia, cujos preceitos exigem a obediência” (De cive, XIV, 1).
Hobbes, Leviatã, Ed. Macpherson, página 312.
(6) Esse ponto é tratado de maneira oposta por Spinoza. Sendo a força física um elemento do espaço e os juízos a modificação do pensamento e sendo ambos, pensamento e força física, modos da substância infinita, Deus ou Natureza, cada indivíduo possui em si mesmo a força e o pensamento que seguem ao infinito. Não é possível arrancar deles a força e o juízo próprios. Algo só pode ser movido por algo que apresenta as mesmas determinações modais. Um corpo não pode ser movido ou forçado pelo pensamento. E um pensamento só pode ser modificado por outro pensamento. Usar a força para impôr a soberania é um erro ontológico e epistemológico, e violência que não garante o Estado, visto que os indivíduos recebem o pensamento da substância infinita divina. Pode-se tentar controlar os pensamentos, mas ele não aceita os limites da força física e os limites da imaginação religiosa ou política. Este é o sentido da frase spinozana quando o Eleitor Palatino convidou o filósofo para dar aulas sem “perturbar a religião oficialmente estabelecida”. Resposta clara: “Desconheço em quais limites minha liberdade filosófica deveria ser contida para que eu não parecesse desejar a perturbação da religião estabelecida”. (Carta a Fabritius, 30/03/1773). Cf. Spinoza. Oeuvres complètes. (Paris, Gallimard, 1954), Coleção Pléiade, página 1284.
Sainte Beuve (Port-Royal) diz que entre Hobbes e Pascal há mais proximidade do que se imagina. A questão do jogo e do truque é analisada com a perspectiva do poder e da justiça por Pascal, sendo continuado no século 18 por filósofos como Condorcet.
O assunto é extenso em demasia para este escrito. Para maiores informações, o livro ainda clássico é o Roland Mousnier, L`Assassinat d´Henry IV (Paris, Gallimard, 1964).
Treachery: cujo significado é Betrayl of trust, do francês antigo trecherie, de trechier, “to cheat”. No francês atual tricherie, engodo, operar desonestamente, quebrando uma regra em uso, fingindo seguí-la. Cf. Dictionnaire Alphabetique et Analogique de la Langue Française, ou Petit Robert (Paris, Société du Nouveau Littré, 1972). Para o texto de Hobbes, cf. A dialogue between a philosopher and a student of the Common laws of England (Paris, Dalloz Ed. 1966), p. 126. Esta edição traz o estudo introdutório de Tullio Ascarelli.

De cive, 12 in Gert, B. (Ed.) : Thomas Hobbes Man and Citizen (Cambridge, Hackett, 1993, páginas 254-255. Esta crítica hobbesiana em imagens é seguida no século 18 por Edmund Burke, um dos maiores escritores contra-revolucionários que, nas Reflections on French Revolution indica as filhas de Pelias de modo idêntico. “To avoid, therefore, the evils of inconstancy and versatility, ten thousand times worse than those of obstinacy and the blindest prejudice, we have consecrated the state, that no man should approach to look into its defects or corruptions but with due caution, that he should never dream of beginning its reformation by its subversion, that he should approach to the faults of the state as to the wounds of a father, with pious awe and trembling solicitude. By this wise prejudice we are taught to look with horror on those children of their country who are prompt rashly to hack that aged parent in pieces and put him into the kettle of magicians, in hopes that by their poisonous weeds and wild incantations they may regenerate the paternal constitution and renovate their father's life”. O texto de Edmund Burke pode ser encontrado no seguinte lugar da Internet : http://www.cpm.ll.ehime-u.ac.jp/AkamacHomePage/Akamac_E-text_Links/Burke.html

Cf. The Elements of Law Natural and Politic / by Thomas Hobbes Electronic Text Center, University of Virginia Library.
“Le précis de cet ouvrage est que, sans la paix il n'y a point de sûreté dans un État, et que la paix ne peut subsister sans le commandement, ni le commandement sans les armes; et que les armes ne valent rien si elles ne sont mises entre les mains d'une personne; et que la crainte des armes ne peut point porter à la paix ceux qui sont poussés à se battre par un mal plus terrible que la mort, c'est-à-dire par les dissensions sur des choses nécessaires au salut. Ejus autem summa haec fuit, sine Pace impossibilem esse incolumitatem, sine Imperio Pacem, sine Armis Impe¬rium, sine opibus in unam manum collatis nihil valere Arma, neque metu Armorum quicquam ad pacem profici posse in illis, quos ad pugnandum concitat malum morte magis formidan¬dum; nempe dum consensum non sit de iis rebus, quae ad salutem aeternam necessariae creduntur, pacem inter cives, non posse esse diuturnam”. Pierre Bayle, Artigo “Hobbes” do Dictionnaire Historique et Critique. 4e édition, Tome Second (C-I). Amsterdam et Leyde 1730



Thomas Hobbes Leben und Lehre (Stuttgart-Bad Cannstatt, 1971), páginas 272-273.
Cf. El Asalto a la Razon. La trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler. (Barcelona, Grijalbo, 1968), páginas 480-481.
Cf. Yves Charles Zarka: “Langage et pouvoir” in Hobbes et la pensée politique moderne.(Paris, PUF, 1995), página 63.
Hobbes, Thomas : The Elements of Law, 1, 5. “Of Names, Reasoning, and Discourse of the Tongue”. Electronic Text Center, University of Virginia Library. (http://etext.lib.virginia.edu/toc/modeng/public/Hob2Ele.html)
Citado por Michèle Aquien e Georges Molinié : Dictionnaire de rhétorique et de poétique (Paris, Librairie Générale Française, 1996, páginas 93.
Thomas Hobbes, Behemoth; or, the Long Parliament (1682), ed. Ferdinand Tönnies (London: Simpkin, Marshall, and Co., 1889; reprint ed., Chicago: University of Chicago Press, 1990), página p. 62.
Leviathan, ed. C.B. Macpherson, Cap. 43, pp. 609-61. Cf. Simon Kow, “Hobbes's Critique of Miltonian Independency” in Animus, A Philosophical Journal for our Time (http://www.swgc.mun.ca/animus/current/kow.htm). Kow cita o Leviatã : “there have been in all times in the Church of Christ, false Teachers, that seek reputation with the people, by phantasticall and false doctrines; and by such reputation (as is the nature of Ambition), to govern them for their private benefit.”

Cf. Mark Whitaker, “Hobbes's View of the Reformation,” History of Political Thought 9 (1988): 49 pp. 54-55; Stephen Holmes, “Political Psychology in Hobbes's Behemoth,” in Thomas Hobbes and Political Theory, ed. Mary G. Dietz (Lawrence: University of Kansas Press, 1990), pp. 128-130. Segundo Kow, “The Political turmoil for Hobbes was in part a result of the misuse of language and the consequent disjunction between things and their proper signification”.
Pierre Vidal-Naquet: “De Platon, du mensonge et de l'idéologie”, in Les assassins de la mémoire (Paris, Points Seuil, 1995).
“In this estate of man therefore, wherein all men are equal, and every man allowed to be his own judge, the fears they have one of another are equal, and every man's hopes consist in his own sleight and strength; and consequently when any man by his natural passion, is provoked to break these laws of nature, there is no security in any other man of his own defence but anticipation. And for this cause, every man's right (howsoever he be inclined to peace) of doing whatsoever seemeth good in his own eyes, remaineth with him still, as the necessary means of his preservation. And therefore till there be security amongst men for the. keeping of the law of nature one towards another, men are still in the estate of war, and nothing is unlawful to any man that tendeth to his own safety or commodity; and this safety and commodity consisteth in the mutual aid and help of one another, whereby also followeth the mutual fear of one another. "2": 2. It is a proverbial saying, inter arma silent leges”. Elements of law, I, XIX, 1-2.

O Cambridge Advanced Learner´s Dictionary apresenta as seguintes explicações para sleight : “sleight of hand: speed and skill of the hand when performing tricks: Most of these conjuring tricks depend on sleight of hand.” E também “skilful hiding of the truth in order to gain an advantage: By some statistical sleight of hand the government have produced figures showing that unemployment has recently fallen.” As duas definições entram perfeitamente no que afirmamos sobre a razão de Estado, um jogo desonesto vencido por truques e por embustes.
Numa bibliografia imensa, cito apenas o texto de Pierre Aubenque, La prudence chez Aristote, (Paris, PUF, 1963). Os interessados poderão pesquisar o tema junto aos especialistas em Aristóteles.
Cf. Gianfranco Borrelli: Ragion di Stato e Leviatano. Conservazione e Scambio alle origini della modernità politica. (Bologna, Il Mulino, 1993), pp. 230 e seguintes.
“Pois vendo que as vontades da maioria dos homens são governadas apenas pelo medo, e que onde não existe poder coercitivo não existe medo; as vontades da maioria dos homens seguiriam suas paixões ambiciosas de prazer, avidez e semelhantes, para quebrar os seus pactos, quem desejasse guardá-las, seriam postos em liberdade, sem outra lei senão a que sai deles mesmos”. Elements of law, Parte II, Cap. 1. “Of the Requisites to the Constitution of a Commonwealth”.
“Every sovereign ought to cause justice to be taught, which, consisting in taking from no man what is his, is as much as to say, to cause men to be taught not to deprive their neighbours, by violence or fraud, of anything which by the sovereign authority is theirs”. Leviatã, cap. 30 : “Of the office of the sovereign representative”.


O mesmo cap. 30, na edição Macpherson, página 377.
Página 379.
Ed. Macpherson, página 380. Quem segue a tradução brasileira da Ed. Martin Claret, preste atenção porque esta última frase (and in another place concerning Kings, that they are Gods) falta alí. Citação do Salmo 81, 6 : Ego dixi : Dii estis, et filii Excelsi omnes. Na Biblia do Rei James I : “I have said, ye are Gods”. A frase hobbesiana radicaliza o Rei James I no seu livro On divine right of Kings (capítulo 20) : “The state of monarchy is the supremest thing upon earth; for kings are not only God's lieutenants upon earth, and sit upon God's throne, but even by God himself are called gods. There be three principal similitudes that illustrate the state of monarchy: one taken out of the word of God; and the two other out of the grounds of policy and philosophy. In the Scriptures kings are called gods, and so their power after a certain relation compared to the divine power. Kings are also compared to fathers of families: for a king is truly Parens patriae, the politique father of his people. And lastly, kings are compared to the head of this microcosm of the body of man. Kings are justly called gods, for that they exercise a manner or resemblance of divine power upon earth: for if you will consider the attributes to God, you shall see how they agree in the person of a king. God hath power to create or destrov make or unmake at his pleasure, to give life or send death, to judge all and to be judged nor accountable to none; to raise low things and to make high things low at his pleasure, and to God are both souls and body due. And the like power have kings: they make and unmake their subjects, thev have power of raising and casting down, of life and of death, judges over all their subjects and in all causes and yet accountable to none but God only. . . I conclude then this point touching the power of kings with this axiom of divinity, That as to dispute what God may do is blasphemy....so is it sedition in subjects to dispute what a king may do in the height of his power. But just kings will ever be willing to declare what they will do, if they will not incur the curse of God. I will not be content that my power be disputed upon; but I shall ever be willing to make the reason appear of all my doings, and rule my actions according to my laws. . . I would wish you to be careful to avoid three things in the matter of grievances: First, that you do not meddle with the main points of government; that is my craft . . . to meddle with that were to lesson me . . . I must not be taught my office.Secondly, I would not have you meddle with such ancient rights of mine as I have received from my predecessors” . Os interessados podem ler o livro de James I, (Basilikon Doron) onde são dados os argumentos sobre a proximidade entre Deus e o Rei. A versão do livro está no endereço: http://www.jesus-is-lord.com/kjdivine.htm . Em James I e Hobbes, a sequência do Salmo é “esquecida”: “ but ye shall die like men, and fall like one of the princes”. Cf. Roberto Romano, O Caldeirão de Medéia (SP, Perspectiva, 2001) páginas 338-339. “Quem recomenda que a lei deve governar parece recomendar que só Deus e a razão devem governar, mas ele também deveria acrescentar que se um homem governa, soma-se um animal também; porque o apetite é como um animal selvagem e a paixão deturpa o governo do melhor homem. Logo, a lei é razão sem desejo = ho men oun ton nomon keleuôn archein dokei keleuein archein ton theon kai ton noun monous, ho d' anthrôpon keleuôn prostithêsi kai thêrion: hê te gar epithumia toiouton, kai ho thumos archontas diastrephei kai tous aristous andras. dioper aneu orexeôs nous ho nomos estin”. Aristóteles, Politica, 3. 1287a, Site Perseus.
Cf. Jonathan I. Israel: Radical Enlightenment. Philosophy and the making of Modernity, 1650-1750 (New York, Oxford University Press, 2001), página 258 e seguintes.